Aconteceu há uns dois anos, no Brasil. Na pequena cidade de Itacaré, na Bahia, para ser mais preciso. Eu estava em uma festa a céu aberto, em um lindo jardim com vista para o mar. Os músicos haviam acabado de começar a tocar a primeira música e o lugar lentamente ganhava vida. Perdido entre as pessoas, eu me deparei frente a frente com o maior desafio de todas as minhas viagens: como me fazer pertencer a um lugar ao qual eu claramente não pertenço?
Foi neste momento que eu os vi. O primeiro casal começou a dançar. A dança deles parecia um pouco com a salsa, mas era mais lenta, mais suave, mais sensual. Era como se eles estivessem traduzindo a música em movimentos fluidos, sem esforço, de um jeito muito natural. Eles dançavem bem juntinhos, e mesmo assim, estavam em perfeita harmonia um com o outro; pareciam livres. De vez em quando, eles faziam alguns giros graciosos e depois voltavam à posição abraçada. Parecia a perfeita união entre as energias masculinas e femininas: a fusão da autoconfiança elegante do homem com a graça e a beleza da mulher.
Vendo-os dançar, eu lentamente caí em um devaneio. Eu senti que estava sendo seduzido pela música, pela dança, pelas pessoas e pelo ambiente daquele lugar. Simplesmente permaneci em pé lá por horas, fascinado, assistindo à vida brasileira se desdobrar diante dos meus olhos. Deve ter sido por volta da meia-noite quando alguém me perguntou:
“Você gosta dessa dança?”
"Sim, muito. Que dança é essa?” – eu disse.
"Forró. Vem dançar comigo?" – ela respondeu.
Entretanto, o choque da realidade com o devaneio pode ser muito difícil. De maneira desastrosa, eu tentei reproduzir os movimentos que eu havia passado horas observando. Para onde foi toda a perfeita elegância? Embora a garota com quem eu estava dançando fosse divertida, alegre e estivesse afim de curtir a noite, eu mal conseguia fazer os passos mais básicos com ela. Eu me sentia totalmente desajeitado, fazendo a minha dança de gringo. Eu pisava para frente e para trás, “um, dois, três... um, dois, três” e pisava nos pés dela, a bloqueava, não conseguia nem conectar os meus movimentos com o ritmo da música.
Depois de um tempo eu tive que pedir desculpas e correr para o bar. Naquele momento eu percebi que um homem precisa colocar sua dignidade de lado inúmeras vezes antes de conseguir dançar. Mas, dali do bar, segurando uma caipirinha, eu continuava estranhamente atraído pela pista de dança. Eu simplesmente não queria acordar daquele sonho.
Então, eu prometi a mim mesmo: “custe o que custar, eu vou aprender a dançar forró. Voltarei para o Brasil como um bom dançarino.” Mal sabia eu, que essa promessa moldaria os próximos dois anos da minha vida.
Depois de retornar para a Suíça, meu sonho de dançar forró ainda estava vívido em minha mente. Eu encontrei a associação de dança Forró de Genebra, dirigida pela dançarina brasileira Milena Monteiro. Para Milena, que é filha de dois dançarinos, dançar é tão natural quanto caminhar. Ela rapidamente se tornou a minha primeira inspiração no mundo do forró e aguentou muitas horas de aulas comigo, pacientemente tolerando a minha absoluta incapacidade de seguir o ritmo.
Depois de muitos meses dançando três vezes por semana, eu ainda não era nada além de um dançarino desastrado, sobre quem as mulheres comentavam no banheiro enquanto retocavam a maquiagem, aconselhando umas as outras a não dançar comigo.
Europeus geralmente não tem o mesmo senso de ritmo que os Brasileiros. Nós começamos a aprender a dançar a partir de um nível que os brasileiros não podem nem imaginar existir. Eu, por exemplo, levei aproximadamente seis meses até começar a sentir o pulso do forró. E mais: levei outros tantos meses para conseguir conectar alguns giros básicos aos meus passos. Só então eu começava a sentir que, de alguma maneira, eu estava dançando.
Mas, apesar do meu progresso dolorosamente lento, o forró entrou na minha vida para ficar. Eu fiz grandes amizades no grupo Forró de Genebra e a minha vida social decolou. Nós dançávamos no parque perto do lago de Genebra, dávamos festas e íamos a festivais de forró. Algumas vezes, nós voávamos para Portugal para o fim de semana e simplesmente dançávamos por três noites em seguida.
Depois de um ano da minha visita ao Brasil, logo que eu comecei a sentir que eu pertencia ao grupo, eu tive que me mudar mais uma vez. Fui para Nova Iorque e tive que refazer a minha vida do zero. Não foi fácil. Mas, uma coisa era clara: independente de qualquer coisa, eu não pararia de dançar. Rapidamente, eu comecei a pesquisar e descobri que havia três lugares onde se podia dançar forró na cidade: Nublu, Beija Flor e Miss Favela.
Nem preciso dizer que eu não perdia nenhuma noite de forró. Com o tempo, eu comecei a fazer amigos com outros habitués do forró, que também pareciam tirar da dança a sua energia para viver. Enquanto eu me estabelecia lentamente em Nova Iorque, o forró começou novamente a ser a maior alegria da minha vida social.
Nessa época foi quando eu conheci a minha segunda inspiração no mundo do forró, o Rafael Piccolotto de Lima, que é o fundador e editor deste website. Por ser compositor, Rafael dança como se estivesse regendo uma orquestra. Cada nuance da música é refletida nos seus movimentos e repassada para a sua parceira. Ao vê-lo dançar, eu comecei a descobrir um nível mais profundo de interpretação e experiência sensorial com a música. Mais uma vez, eu podia sair para dançar e me perder no universo onírico e misterioso do forró.
Eu tenho a sensação que é chegada a hora de voltar ao Brasil e viver o meu sonho. Eu gostaria de poder encontrar todas as garotas que penaram enquanto dançavam comigo e me redimir na pista de dança. Me pergunto como será viver essa experiência no Brasil novamente, mas, desta vez, sabendo dançar. Talvez um dia eu escreva sobre isso para vocês.
SOBRE O AUTOR - Mateusz Buczek cresceu na Polônia e passou a maior parte da sua vida atraído pela liberdade. Apaixonado por viagens, cultura, fotografia e esportes, ele viveu e trabalhou na Sérvia, Etiópia, Sudão, Tailândia, Colômbia e Suíça. Mateusz é uma alma viajante, atualmente residente no Brooklyn, em Nova Iorque.
Tradução: Silvia Alencar.
Edição: Rafael Piccolotto de Lima.
Fotos: Marc Schiffler e Forró de Genebra.