Se, de alguma maneira, eu pudesse voltar no tempo e encontrar comigo mesmo aos 20 anos para contar que hoje estou morando em Nova Iorque, trabalhando como compositor, arranjador, maestro, cinegrafista, engenheiro de áudio E dando aulas de forró, meu antigo eu não acreditaria. Num espaço de 11 anos, além de eu ter me aperfeiçoado bastante na dança, muita coisa aconteceu na minha vida. Morar em Nova Iorque e trabalhar com música eram sonhos antigos, então seria mais fácil acreditar nessa parte. Mas... ensinar forró em Nova Iorque? Isso nunca passou pela minha cabeça.
Como dançarino, me apaixonei pelo forró aos 20 anos de idade; o ritmo entrou intensamente na minha vida no meus primeiros anos de faculdade. Além dos estudos musicais - que eu sempre levei muito a sério na UNICAMP - durante cerca de um ano eu fui em aulas de dança quase diariamente num dos lugares mais tradicionais de forró do interior paulista, a Cooperativa Brasil em Campinas. As madrugadas de final de semana eram dedicadas às festas, onde eu colocava em prática os novos passos aprendidos. Era praticamente forró de segunda a segunda! Com o tempo, foi ficando claro que essa faceta da cultura brasileira se tornaria algo essencial na minha vida.
Cinco anos, e muito forró depois, eu me mudei para Miami para dar seguimento aos meus sonhos musicais. Ingressei no mestrado na Frost School of Music (University of Miami) e assumi a posição de compositor em residência e maestro assistente no Henry Mancini Institute. Infelizmente, o forró teve que ficar de lado. Não foi exatamente uma escolha, mas uma imposição do destino. Naquela época, Miami não tinha uma cena forrozeira ativa. Se eu quisesse dançar, tinha que ser no Brasil. As férias de verão, então, eram o momento em que eu podia voltar para casa e me esbaldar na pista, revendo amigos e dançando até o dia nascer.
Outros cinco anos se passaram e veio outra grande mudança: eu concluí meu doutorado e me mudei novamente para continuar a perseguir os meus sonhos musicais. Cheguei a Nova Iorque para integrar o BMI Jazz Composers Workshop, com mil e uma ideias de projetos artísticos a realizar. No entanto, nenhum destes projetos incluía ensinar forró, muito menos montar um site e sair gravando vídeos de amigos dançando ou postar blogs falando sobre como o forró impacta na vida das pessoas... Essas foram boas surpresas que a vida me proporcionou nessa nova fase!
Diferente de Miami, Nova Iorque já tinha uma história de forró. Alguns bons músicos ativos, espaços para dançar – pequenos, mas existentes – e algumas pessoas apaixonadas pelo estilo. Mas, por algum motivo que eu desconheço, as festas tinham poucas pessoas para dançar. Eu me lembro bem de uma noite em particular, em que conversei sobre isso com o acordeonista Felipe Hostins no Nublu, uma casa de shows no East Village que tem forró toda quarta feira. O público estava especialmente escasso naquela noite: os dançarinos eram um pouco mais numerosos que a banda, de quatro músicos. Eu me questionei: “como isso é possível? Uma banda fazendo um som bacana para dançar, numa cidade tão internacional e multicultural como Nova Iorque, e não ter público para festejar?”
Felipe estava desanimado, como seria de se esperar numa noite como aquela, e eu fiquei preocupado. Conversamos e especulamos as razões daquele show tão vazio por um bom tempo e não havia nenhuma conclusão. Justamente agora que finalmente havia a esperança de ter essa paixão – o forró – de volta na minha vida, lado a lado com meus sonhos profissionais, eu não poderia deixar a oportunidade passar.
No meu caminho para a casa, ainda no metrô, me veio uma ideia e eu tomei uma decisão que me consumiria nas próximas semanas. Sentado naquele vagão semivazio da madrugada, eu começei a planejar a criação desse site, do canal do YouTube e da página no Facebook de que levam o mesmo nome: forronewyork. Forrozeiros – locais ou viajantes – deveriam ter fácil acesso as informações sobre a cena na cidade. Pensei também em divulgar qualquer atividade relacionada ao forró em Nova Iorque para tentar atrair mais pessoas para dançar, popular as festas e fazer a cena crescer. Comprei o domínio e passei a trabalhar com muito ânimo no site, foi como um novo hobby para mim. Coincidência ou não, neste mesmo mês eu começei a dar aulas a convite da professora Cookie – outro fator importantíssimo para o crescimento da cena –, criando a oportunidade para outras pessoas aprenderem a dançar, como aconteceu comigo há mais de uma década.
Hoje, depois de pouco mais de meio ano, eu vejo uma cena revigorada e em ascensão que proporciona alegria para bastante gente! Percebo que essas pequenas iniciativas surtiram um efeito significativo. Durante esse período, assim como eu, várias outras pessoas tomaram a frente e contribuíram das mais diversas maneiras para o crescimento e melhora da nossa vivência forrozeira na cidade. Novos rostos foram surgindo e se fazendo essenciais para o crescimento da cena!
Isso tudo, de alguma maneira, me transporta emocionalmente para um lugar similar a quando eu tinha meus 20 anos e descobria o universo forrozeiro. Mais uma vez sinto todo aquele entusiasmo, aguardando ansiosamente os próximos eventos, fazendo novos amigos e pondo em prática todo o repertório de passos. Obrigado a todos vocês por fazerem essa festa que é o forró ainda mais gostosa de vivenciar aqui em Nova Iorque.
Como o forró nasce, vive e cresce em comunidade, aproveito o gancho para convidar quem quiser participar na criação de conteúdo para o site e outras plataformas digitais. Quem quiser contar suas histórias forrozeiras, é só escrever pra gente no forronewyork@gmail.com. Qualquer “causo” é mais que bem-vindo, vale tudo! Afinal de contas, o forró é nosso!
SOBRE O AUTOR - Rafael Piccolotto de Lima é apaixonado pelas artes, doutor em música indicado ao Grammy Latino como melhor compositor de música clássica em 2013. Para ele todas as formas de expressão são de alguma maneira correlacionadas, e dai vem seu interesse e atuação diversificada; de fraque nas salas de concerto até sandália no chão batido de dança. Nascido em Campinas, São Paulo, hoje ele reside a margem do Rio Hudson com vista para o sul de Manhattan.
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Edição: Silvia Alencar e Mateusz Buczek.
Revisão: Rafaela Serafim.