Quanto tempo você demora para saber se uma dança vai ser boa ou não? Parece mentira mas, em poucos segundos, antes mesmo de fazer qualquer giro, eu já sinto e identifico características marcantes de uma nova parceira de dança. Qual meu segredo para, tão rapidamente, entender essa linguagem corporal? Prestar atenção aos fundamentos: a base, o ritmo, o abraço, e sobretudo a habilidade de ajustar a maneira de dançar, fazer a dança fluir melhor de acordo com as características do parceiro. Em poucos movimentos, poucas pisadas, esses elementos ficam evidentes na dança de qualquer um.
Interessante que, justamente essa parte tão importante da dança, muitos dos iniciados acreditam não precisar mais investir energia. Olhando para a minha dança há mais de uma década atrás, pra minha fase de iniciante/iniciado, eu ainda lembro da sensação de anseio em aprender mil e um passos para mostrar para as minhas parceiras que eu também sabia fazer aqueles floreios mais elaborados que outros forrozeiros faziam. Na minha cabeça passava a ilusão de que, ao fazer mais e mais passos, eu estaria mantendo a dança mais interessante e divertida para minha parceira.
Na verdade, pouco importa quantos ou quais passos um dançarino tem em seu repertório se a base não é boa, isto é, se o abraço é desconfortável e desconexo, se os movimentos não estão sincronizados com a música e se o foco está somente nos próprios passos e não nos passos do outro. Por isso, volto a dizer nas minhas aulas: “não importa quais passos você faça, o importante é como você os faz.” Eu sei que pode parecer chato, mas faz muita diferença.
Em função do crescimento da cena aqui em Nova Iorque, eu recentemente abri uma turma intermediária/avançada, a primeira desse tipo na cidade. Tenho que admitir que é muito divertido poder finalmente fazer alguns passos mais elaborados e desafiadores por aqui, mas se você vier em uma dessas minhas aulas, esteja preparado também para gastar um bom tempo refinando elementos básicos da dança, pois são esses que realmente fazem toda diferença e possibilitam que passos mais avançados funcionem bem e sejam gostosos de fazer.
Forró bom – na minha opinião – é forró que flui, aquele que parece um abraço gostoso sem fim, ritmado pelo balanço da música; aquela dança que deixa um gostinho de quero mais. Pense que é bem capaz que seus primeiros movimentos com uma nova parceira, antes mesmo de você mostrar seu repertório de floreios, sejam suficientes para que ela já saiba se vai querer dançar com você uma próxima música ou não.
Como epílogo deste blog eu divido com vocês uma pequena curiosidade sobre minha história de aprendiz. Uma lembrança que poderia me gerar até um certo constrangimento, mas me dá orgulho de compartilhar.
Durante meu primeiro ano como forrozeiro, época da minha vida em que eu ia em aulas e festas quase diárias em Campinas, eu fazia muito mais do que as aulas. Eu chegava em casa tarde da noite, colocava meus fones de ouvido, ia para a cozinha (onde tinha uma janela grande que funcionava como um espelho para mim) e passava horas praticando meus fundamentos e dançando com uma dama imaginária. Era o meu modo de me assegurar que quando eu estivesse dançando com uma dama de verdade, meu foco estaria todo nela, em vez de pensar e gastar energia nos meus próprios passos. Talvez meus vizinhos me achassem louco por dançar sozinho em frente à janela do sexto andar, mas e daí? Como resultado, construí uma base que em pouco mais de meio ano me permitiu passar de um forrozeiro tímido de poucas danças, para um dos favoritos da pista e parte do time de dança da Cooperativa Brasil, que durante mais de uma década, foi uma das mais importantes casas de forró do Brasil.
E aí, quem quer vir praticar um pouco de base comigo?
SOBRE O AUTOR - Rafael Piccolotto de Lima é apaixonado pelas artes, doutor em música e foi indicado ao Grammy Latino como melhor compositor de música clássica em 2013. Para ele todas as formas de expressão são de alguma maneira correlacionadas, gerando seu interesse e atuação diversificada; de fraque nas salas de concerto até sandália no chão batido de dança. Nascido em Campinas, São Paulo, hoje ele reside a margem do Rio Hudson com vista para o sul de Manhattan.
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Revisão: Silvia Sampaio de Alencar.